Por que Cuba?
Conhecer Cuba sempre esteve nos meus planos. O simples fato de ser o único país socialista das Américas (atualmente só existem quatro no mundo), já era motivo suficiente para atiçar a minha curiosidade.
Como estaria a vida naquela ilha da América Central, que há quase 60 anos está sob embargo econômico, financeiro e comercial imposto pelos EUA?
No entanto, sempre me surpreendia com os elevados custos da passagem aérea. Apesar de estarmos geograficamente mais próximos de Cuba do que da Europa, os valores dos voos para a Isla eram, via de regra, superiores à uma viagem para o Velho Continente.
Um certo dia, no entanto, me deparei com um aviso de promoção da COPA Airlines do aplicativo Melhores Destinos– R$2300,00 (740 USA) com tudo incluído*. Fechei na mesma hora. Dessa vez iria sozinha.
*Posteriormente houve outras, melhores ainda.
É preciso “visto” para Cuba? Sim.
O visto, na verdade, é uma tarjeta turística. A maneira mais simples para consegui-la? No balcão da COPA Airlines, no momento do check in, custa 20 dólares e é necessário pagar em cash (em reais). Me solicitaram apenas o passaporte. Na escala no Panamá, também estavam oferecendo a tarjeta. Se você comprou a passagem com outras companhias, veja como fazer nesse post do Ricardo Freire.
Definindo: roteiro e hospedagem
Essa é a parte que mais gosto. Havana era um certeza. Só ela. Varadero? Não era bem minha praia. Prefiro me infiltrar com o povo a ficar isolada em uma bolha turística – tipo um resort, e essa era a minha impressão de lá.
No entanto, descobri que nem só de resorts vive Varadero. Ufa!
Consultando um dos meus blogs preferidos, o @viaggiando da Camila Navarro , me “encontrei” em Cienfuegos e Trinidad. Pronto. O roteiro ficou assim:
Havana( 5 dias), Cienfuegos (4 dias), Trinidad (4 dias) e Varadero (2 dias).
De Trinidad passaria ainda por Santa Clara, antes de Varadero.
Isso equivale a mais ou menos meia “isla”- o suficiente para o tempo que dispunha, mas, confesso, mesmo antes de ir, já havia percebido pelo que li que Cuba merecia bem mais que 15 dias.
Ao norte, indicaria o Valle de Viñales e Cayo Jutias. Da próxima vez, estão nos meus planos também Holguin, Camaguey e Santiago de Cuba. Talvez Remédios. Os Cayos Largo e Blanco ( esse último a partir de Varadero) não ficarão de fora.
Hospedagem em Havana, Cienfuegos, Trinidad e Varadero
Sobre hospedagem em Cuba, já havia definido que ficaria em casa de cubanos. É o estilo @malaenxuta de viajar (rs). É um sistema legal no país e que apresenta duas enormes vantagens em relação aos hotéis: (1) muito mais em conta (15 a45 CUCs a diária) (2) excelente oportunidade para interagir com os cubanos. Onde fiquei:
Havana- na casa do Pepe
La Casa del Guia
Calle 13 No. 1356 apto. 23 entre 24 y 26.
El Vedado. La Habana. Cuba
A/C Pepe ou Ana: (537) 8361406/e-mail: analinacuba@gmail.com
Cienfuegos-no Airbnb do Luis
Trinidad- com a simpática Yanara
Yanara Fambyh Hostal- Restoy Fajardo (Luz) 30
Teléfono móvil:+53 52992927
E-mail: yanara104@gmail.com
https://m.facebook.com/Yanara-
Varadero- no airbnb da Betty
Indico todos, apenas ressaltando que o de Pepe, em Havana, fica um pouco afastado de Havana Vieja, mas nada que um transporte púbico não possa resolver.
Quando você vai, volta e continua não entendendo nada
Nessa viagem para Cuba almejava ter uma experiência mais concreta, mesmo que superficial (como turista, sempre é), do modus operanti de um país socialista. Apresentar relatos não tendenciosos é algo muito difícil. Confesso. Tenho especial apreço pela coragem cubana, que ao longo de todos esses anos de bloqueio, manteve-se firme aos seus princípios revolucionários e não se curvou aos E.U.A.
Embarquei com centenas de dúvidas, curiosidades. Voltei com milhares. Tirei conclusões que não duraram 24 horas. Por vezes tinha a sensação de que ouvia pessoas sinceras, em outras, de que eram personagens de uma peça teatral, cujo título poderia ser “Cuba Libre”. Em um cenário digno de Hollywood, diga-se de passagem.
Esclareço aqui que meus relatos se baseiam naquilo que ví e ouví. Conversei muito. Sempre que havia uma oportunidade puxava um papo. Nos ônibus, nos taxis compartilhados, nos bancos de jardim, com meus anfitriões cubanos, com brasileiros que estão trabalhando ou estudando em Cuba, com outros turistas que estão há mais tempo por lá.
Nada é como é hoje do nada. Como dizia um amigo meu “tudo tem uma história por traz” e conhecer a História desse país faz parte do processo de entendimento também.
Os cubanos que conheceram, ao vivo e a cores, as ditaduras de Machado e Fulgêncio Batista, foram unânimes: ” agora está bom, no passado foi bem pior”.
Internet em Cuba: stress à vista!
Os cubanos tem acesso à internet há cerca de 3 anos. O Facebook entrou rotina da ilha há apenas um ano.
É irritante, para uma pessoa (mal) acostumada à uma disponibilidade e acesso tão fáceis e baratos, o processo de conectar-se com o mundo na ilha cubana. Por outro lado, a abstinência forçada tem lá suas vantagens. Muitas.
Esse parque é um dos pontos de Internet em Havana. Depois de um certo tempo descobri outros. Não foi preciso perguntar, era só observar um bando de gente olhando ou conversando ao celular.
Você compra um cartão da ETECSA, com direito a uma hora de internet por 1-2 CUCs (=1-2 dólares). Existem pontos de venda do dito cujo em vários locais. Muita gente vai te oferecer no “mercado negro”. Meio tenso. Me parece que nos hotéis tem Wi-Fi, mas é preciso o cartão.
Em Trinidad, depois de 2 horas em uma fila, com os miolos fritando no sol e sem entender a lógica da entrada naquele lugar, consegui 3 unidades na ETECSA. Qdo sai de lá, me deu a louca. Entrei em uma Panederia-Dulceria– pedi um helado, um capuccino e água. Vcs não tem noção do calor que faz em Cuba em abril! O helado estava sensacional (rs).
La libreta cubana: os alimentos fornecidos pelo Estado
Entrei em uma padaria em Havana para comprar um pão. Não podia. Naquela, especificamente, que era só para cubanos.
O controle dos alimentos que o governo oferece por cidadão é feito pela libreta. Exemplo: um pão/cubano/dia. Além disso, é por sua conta. Há pontos específicos (bodegas) de entrega por zona. Para mais informações clique aqui.
Em uma dessas “bodegas”em Havana, me explicaram que existe a opção de adquirir um produto com melhor qualidade, mas daí é por conta do consumidor. Por exemplo: o governo oferece o arroz vietnamita, se a pessoa quiser o chinêss (melhor) terá que pagar. A maioria dos cubanos relatou que a quota não é suficiente :(.
Nos supermercados os preços são estabelecidos em CUCs (pesos cubanos convertíveis) e CUPS (pesos cubanos). Parece que estão estudando uma forma de moeda única. Acho ótimo, mas me parece complicado. Claramente os valores de produtos e serviços (hoteis principalmente) é bem mais elevado para os estrangeiros que pagam em CUCs. Honesto. Por que o governo deveria subsidiar turistas?? No entanto, como administrar esses dois mundos mercantis com uma moeda única? Vamos aguardar.
Os supermercados parecem atacadões. Muito do mesmo. Além dos “hecho em Cuba”, havia produtos importados da Espanha, Holanda, Vietnam, Itália China e….Brasil.
Sobre algumas “faltas”, Pepe, meu anfitrião em Havana, me enquadrou (rs):“Entenda, Fernanda, Cuba não é rica como o Brasil, vcs tem muita terra produtiva, clima excelente, natureza exuberante. Cuba é um país pobre, mas temos educação, assistência médica e segurança para todos”.
Em Varadero, visivelmente percebi que imperava outro país. Praticamente feito para os turistas. Inclusive, aparentemente, com mais ofertas de produtos nos supermercados.
Violência? O que é isso?
Nas minhas andanças mundo afora percebo que o povo brasileiro é traumatizado com esse assunto. Não é a primeira vez que me perguntam: “Violência? Como assim?”.
Em Cuba não é zero. Seria utopia. Mas é bem baixa. Acredito que a combinação de leis rígidas +igualdade social dê mais resultado que o envio das forças armadas para as ruas. Ops! Escapou. Desculpa.
Não existe pena de morte, mas tem a perpétua. Sem atalhos, nem perdões.
Como turista me senti com muito mais liberdade em Cuba do que aqui, no Brasil A liberdade a que me refiro é a de poder caminhar em paz , a qualquer hora do dia, em qualquer local.
Na véspera de retornar para o Brasil me perdi em um bairro de Havana, era noite e não havia quase ninguém na rua absurdamente mal iluminada, cheia de becos e esconderijos. Seria um excelente alvo para assalto, mas nada aconteceu.
Como mencionei anteriormente, não é zero. Em Trinidad, paguei a conta a um suposto garçon. Estou esperando o troco até agora. Foi no restaurante da Casa da Música, durante o dia e estava sentada em uma mesinha disposta na calçada. Minha anfitriã me disse que nunca havia ocorrido isso antes.
Controle da imprensa, da TV e da sua vida.
Existem apenas quatro canais de TV. Evidentemente, empenhados em reforçar o espirito revolucionário, o anti-capitalismo e o repúdio aos yankees. Os aliados políticos cubanos são vistos com um viés heróico, daqueles que lutam contra o Imperalismo americano. Uai? Verdade, são corajosos mesmo.
Eles têm programas muito bons. Assisti à um documentário com o filósofo americano Noam Chomsky e com o escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor das “Veias Abertas da América Latina”. Logicamente que sempre focando no anti-capitalismo e nos prejuízos do neo-liberalismo, com muito embasamento. Quem conhece o linguista americano sabe da sua capacidade e competência.
A imprensa é alinhada à vibe reinante: a socialista. Um dos jornais é o Gramna. Nome do yatch que conduziu Fidel, Che e os outros revolucionários do Mexico para Cuba para iniciarem a Revolução Cubana.
Os CDR (Comités de Defensa de la Revolución)
De vez em quando encontrava na entrada de algum edifício ou casa um aviso: “Presidente do CDR”. CDR???
“É uma pessoa que ajuda a cuidar de uma parte do bairro”- me respondeu uma senhora.
“Cuidar?”- perguntei
“É ..organizar festas, verificar se tudo está limpo, em ordem”- esclareceu. Huuummm…
Em duas oportunidades, despejando aquele montão de perguntas que a sem noção aqui faz, tipo, sobre a liberdade em Cuba, um garçon olhou para os lados e tenso respondeu: “Aqui é uma ditadura!” (que novidade kkkk). Em outra ocasião, no interior de uma bodega de distribuição de alimentos, o mocinho, em dado momento me interpelou: “Onde você trabalha”? Ao responder minhas perguntas sobre o funcionamento da libreta, demonstrava apreensão, como se estivesse sendo observado. E ,talvez, estivesse mesmo.
Os Comités de Defensa de la Revolución foram criados para manter o controle sobre possíveis movimentos que contrariem os princípios revolucionários. “Oh! Que horror!” pensarão os anti-comunistas. Agradável não deve ser. Eu mesma detestaria ter a minha liberdade cerceada, mas lembre-se que, antes, era pior. Além de serem ditaduras também (as de Machado e Fulgêncio, principalmente) o povo pobre não tinha acesso a todos os serviços públicos que hoje tem. Se não houvesse a Revolução Cubana, provavelmente hoje Cuba seria uma Porto Rico, um território americano, sem identidade, sem direito a voto, completamente submisso e descaracterizado como nação. Horrível, hein?
Educação e saúde: um exemplo a seguir
Durante os 15 dias que estive em Cuba não ví uma única criança na rua. É crime.
Frequentam escolas públicas das 8h às 16 horas. Todo material escolar é fornecido pelo Estado.
A saúde em Cuba é de excelência devido à formação profissional. Em alguns hospitais faltam até luvas, mas realizam procedimentos com qualidade utilizando o mínimo de recursos possíveis. Uma dentista portuguesa, que estava fazendo um curso sobre cirurgias ortodônticas em Havana, me disse que ficou impressionada com a habilidade e competência dos professores cubanos, que obtém os mesmos resultados utilizando 1/3 dos materiais e equipamentos necessários.
Médicos ganham cerca de 50 CUCs (50 dólares/mês). O governo terceiriza os serviços médicos para outros países. São as missões dos médicos cubanos, como aquelas que vieram para o Brasil. Um terço do ganho fica com o profissional (aproximadamente 800 euros/mês), 2/3 com o governo.
Por fim, deixo algumas conclusões/observações:
- Cuba é a Revolução, a identidade duramente conquistada e pela qual vivem e resistem. Até quando não sei.
- Uma sociedade mais igualitária tem pontos positivos, como o direito à saúde, educação e segurança para todos. Não existe Sírio Libanês para políticos e SUS para o povão. Justo. Por outro lado, as ambições são restritas em um sistema que pouca diferença faz entre um médico e um taxista. Causa das constantes imigrações. O que motiva a carreira médica, por exemplo, são as “missões”. Passam anos no exterior e ganham significativamente mais que em Cuba.
- A quantidade de propriedades por habitante também é única: uma. Um casal pode ter no máximo duas.
- A sociedade cubana é a uma das mais envelhecidas da América Latina, segundo Yanara, minha anfitriã/psicologa em Trinidad. Lá, principalmente, percebi que chegar aos 100 anos equivale aos nossos 80. Ruim para o país. Por outro lado, indica uma qualidade de vida boa. É preciso ter saúde para ser um centenário.
- A ausência de crianças na rua espanta. Não vi nenhuma em 15 dias. Estão na escola. Passam o dia inteiro estudando até às 16h. Alimentação e material escolar providos pelo Estado. Crianças nas ruas é algo inaceitável e nós, brasileiros, convivemos com essa realidade diariamente. Isso não é normal, ok? Não deveria ser.
- A questão da segurança cubana é um bom exemplo a seguir. As leis são rígidas. Beatriz, minha anfitriã, me disse que se acontecer alguma coisa com um turista no seu Airbnb, o Estado lhe tira a propriedade. Homicídio? Nem pensar. Acredito que maior segurança seja o resultado da dupla -leis rígidas+ programas sociais. Não vi condomínios com guaritas. Seguranças fazendo rondas. As casas não tem muros na frente.
- A preocupação com as minorias também me agradou. Aparentemente a discriminação racial é bem menor do que no Brasil.
- A falta de manutenção nos prédios choca. Como é duro viver literalmente ilhado.
- Me pareceu que é impossível e insano o Estado tomar conta de tudo. É preciso fazer um up date no modelo economico-social-politico sem afetar os princípios socialistas. É possível? Não sei. Sou agrônoma :).
- Por fim, não acredite em nada que escrevi. Vá para Cuba e tire suas próprias conclusões. Vale muito a pena conhecer a misteriosa isla cubana. Os cubanos adoram os brasileiros, são cordiais, atenciosos e hospitaleiros.
Se tiver alguma dúvida ou algo a mais que queira saber, por favor, deixe aí nos comentários. Terei o maior prazer em responder ou ajudar.