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Os refugiados sírios- o que eu ví em Belgrado

Imigrantes2

Esse texto descreve a minha percepção e sentimento  em relação aos refugiados sírios que estavam em um acampamento em Belgrado, durante minha viagem à Sérvia, em outubro de 2015.

Antes de partir do Brasil, estava acompanhando todos os dias as notícias sobre a situação dos refugiados sírios na Sérvia. Imaginava uma multidão se atropelando na estação de trem. Como pretendia utilizar esse meio de transporte por lá, estava um pouco apreensiva.

Perguntei à minha anfitriã do Airbnb, que havia reservado em Belgrado, sobre eles . Ela me disse que estavam acampados próximos à estação de trem, mas que não estavam incomodando ninguém. Esse “incomodando” me incomodou.

No mesmo dia da minha chegada fiz questão de passar por lá.  Em uma praça gigantesca as barraquinhas de camping se amontoavam. Os homens faziam grupos e conversavam. As mulheres sentadas no chão, com as crianças por perto ou no colo, pareciam aguardar alguma coisa.

refugiado sírio Belgrado Sérvia
Mulheres e crianças em um acampamento sírio em Belgrado, Sérvia

No segundo dia, passei por lá, de novo.  Na verdade, o acampamento ficava no meu trajeto para o hotel onde estava ocorrendo o evento que eu estava participando. Poderia até fazer outro percurso, mas queria ver de novo as barraquinhas, os homens em grupo e as mulheres sentadas no chão. Todos aguardando alguma coisa.

Observei melhor. Na verdade havia poucas mulheres e crianças e a extrema maioria era composta por homens e jovens. 

refugiados sírios Belgrado
Acampamento de refugiados sírios em Belgrado- Sérvia

Uma fileira de banheiros químicos se alinhava em um canto da praça. Os refugiados se “banhavam” em torneiras.  De vez em quando, via um ônibus sérvio parado, lotado. Muito provavelmente iriam leva-los até a fronteira com a Hungria e despejá-los lá. Feito uma jarra se esvaziando do seu conteúdo. Percebi que estavam felizes. Tinham no olhar um brilho de esperança, a possibilidade de uma vida em paz.   

Aqueles que ficavam a todo o momento se comunicavam por celular. Parecia que aguardavam alguma coisa, algum aviso, uma bandeira verde, um sinal positivo para continuar a empreitada até a Alemanha. 

Ficava imaginando como, de repente, uma casa e todos os seus pertences couberam dentro de uma mochila. Não havia malas, só mochilas. Aliás pequenas demais para uma casa e todos os seus pertences. A necessidade os fez vivenciar o real significado da palavra “desapego”. 

No terceiro dia em Belgrado, passei por lá de novo. Resolvi entrar numa lanchonete perto do acampamento e pedir uma garrafa d´água.  Um homem sírio entrou e pediu, por sinais, um café e um salgado. A garçonete entendeu. De pé, apoiado no balcão, o pensamento daquele homem voava, voava para onde? Para o que ficou para trás ou o que estava adiante? Pensei.

Do lado de fora, seus amigos continuavam conversando em roda, outros no celular, aguardando alguma coisa, a coisa.

Quando terminou de comer, chamou a garçonete e perguntou quanto lhe devia. Por sinais, ela disse que não era nada. Ele largou algumas notas no balcão, virou as costas e partiu. Levou consigo seu orgulho e amor-próprio.

No dia seguinte passei pelo acampamento pela última vez, avistei uma senhora brincando com as crianças e me aproximei. Era uma alemã ensinando algumas palavrinhas em alemão para elas e arrancando fartos sorrisos dos seus rostinhos. 

Não voltei mais lá, fisicamente, só em pensamentos. Não sei se os que restaram tomaram aqueles ônibus, se foram despejados na fronteira, se conseguiram chegar na Alemanha. Pode ser também que estejam em outra praça, se banhando em outras torneiras, conversando em roda e esperando alguma outra coisa para prosseguir.

Ainda hoje, quando vejo as imagens dos imigrantes nas notícias que saem na TV, penso naqueles rostinhos e torço, do fundo do meu coração, para que estejam sorrindo e em paz em seu novo país.

Faz um ano que tudo isso aconteceu. Onde eles estarão agora?

criança síria refugiado na Sérvia
Refugiados sírios em Belgrado-Sérvia

 

 “Não há nada como olhar com os olhos dos outros para nos ajudar a questionar nossas suposições e preconceitos e incitar novas maneiras de pensar sobre nossas prioridades na vida” Roman Krznaric (filósofo australiano)

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4 respostas

  1. Muito triste. Quando vejo essas imagens, meu avô vem em minhas lembranças. Ele também refugiou-se no Brasil, passou por muitos perrengues e ainda viu seu pai ser morto. E ontem, assistindo aos noticiários, vi que a cidade onde ele viveu, Alepo, está sendo destruída. Está cada dia mais difícil entender o “ser humano”. Só nos resta orar.

    1. Rubia querida, muito obrigada pelo seu comentário aqui, viu? Meus bisavós maternos eram libaneses, tenho sangue árabe nas veias também. Entendo bem suas lembranças.Imagino toda a situação que seu av´^o passou. Estou ajudando uma família de sírios que estão aqui em Campinas, um casal com duas crianças pequenas. Os dois são Engenheiros e os pais dela foram mortos. A menininha de três anos é toda traumatizada, dá o maior dó! Eles contaram um pouco do dia a dia deles quando estavam lá, acho que o inferno deve ser melhor. A situação é complicada de todos os lados, mas ainda acredito na empatia como um agente forte de mudança social, escrevi um outro post sobre isso. Quem sabe…tenha um ótimo fim-de-semana! bjs

  2. Lamentável que o ser humano continua tão desumano! Quando lembro o significado de ser humano, não consigo acreditar que não houve evolução em quase nada. Que nesse mundo ainda exista tanta atrocidade, tanto egoísmo e tanto insanidade. Acredito que tenha sido muito intenso pra vc, ver essa situação de tão perto. São imagens que vai levar pra vida inteira! Que relato incrível!!! Bjos

    1. Shirley, a gente adquiri outra visão de uma situação quando presencia cenas como a que eu ví. Considero esse, inclusive, um dos melhores aprendizados de uma viagem. Estou ajudando uma família de sírios aqui. É um casal e duas filhinhas, uma menina de 4 anos e uma bebezinha. Precisa ver como a menininha é traumatizada. Quando houve qq sirene acha que é aviso de bomba. Enfim, essas experiências nos tornam mais sensíveis a dor alheia enos lembram de ajudar sempre que possível. Obg pelo seu ótimo comentário, viu? bjs

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